domingo, 30 de junho de 2019

Sobre Liberdade e Responsabilidade

Atualmente, a liberdade tem sido uma questão em pauta dentro dos círculos sociais. A ideia do "eu não sou obrigadx" tem permeado diversas mídias e discursos. Mas o que a Logoterapia e Análise Existencial tem a dizer sobre isso? 


(Estátua da Liberdade - localizada em Nova York, Estados Unidos)

Segundo Frankl (1978; 2012), a Liberdade da Vontade é um dos pilares da Logoterapia e Análise Existencial (ao lado da vontade de sentido e do sentido da vida). É importante ressaltar que ela é indispensável ao ser humano - apesar de ter sido bastante obscurecida pela tradição psicológica, que a obscureceu através de outros conceitos, como os condicionamentos e as pulsões - e mais recentemente, me arrisco a dizer, os diagnósticos (via manuais médicos). 
Mas Bruna, obscurecida como?  Estes conceitos começaram a ser utilizados como justificativas para os comportamentos, escolhas, entre outros, dos sujeitos. Quem nunca ouviu um "ele faz isso porque é... (homem/mulher/tem determinado diagnóstico)?".
Mas calma. Não estou dizendo que as contingências não são importantes nas nossas decisões e ações. São, e muito! Mas elas nos influenciam, não nos determinam. Afinal, não somos livres de, mas somos livres para - ou seja, não somos livres das contingências (questões relacionadas ao meio externo e interno: herança genética, meio circundante, e até mesmo os condicionamentos), mas somos livres para decidir qual posicionamento tomar, apesar de tudo isso. Podemos até ser condicionados, mas não determinados (porque nossa dimensão noológica é indeterminada, como vimos aqui https://alogoterapiaeobvia.blogspot.com/2019/04/ser-humano-tridimensional.html). E, partindo desse viés, encontramos um outro conceito fundamental na Logoterapia: a responsabilidade

(Estátua da Responsabilidade - projeto feito por Frankl e ficará na Costa Oeste, em complemento à estátua da Liberdade, que fica na Costa Leste dos Estados Unidos)

A responsabilidade é um complemento fundamental da liberdade, na medida em que, além de livres, somos seres únicos. Cada ser humano é um ser único, traçando um percurso de vida único e irrepetível, marcado por sentidos igualmente únicos e irrepetíveis - assim, nos tornamos responsáveis pelo nosso dever-ser
Além disso, é importante ressaltar que, enquanto a liberdade se constitui enquanto um dos pilares da Logoterapia, a responsabilidade se encontra atrelada à consciência, e justas formam os dois fatores fundamentais da existência humana. Assim, ser pessoa é equivalente a ser-consciente-e-ser-responsável: perante um sentido, perante si mesmo, perante o mundo - pois precisa exercer com responsabilidade a sua liberdade da vontade.

Deste modo, o ser humano é livre e responsável

Na atualidade, vemos muito mais uma culpabilização do que uma responsabilização. Culpamos os governos (atuais e anteriores), culpamos a sociedade do capital, culpamos o sistema que é desumano, culpamos as instituições de ensino que são adoecedoras. Mas e a nossa parcela de responsabilidade? O que nós temos feito para melhorar a situação da qual reclamamos? 

Isso significa nos calar diante de injustiças? Não. Significa tomar a nossa parcela de responsabilidade - e atribuir a quem é de direito as suas respectivas parcelas ;)



Fontes:
Frankl, V.E. (1978). Fundamentos antropológicos da psicoterapia. Rio de Janeiro: Zahar Editores.
Frankl, V.E. (2012). Logoterapia e análise existencial: textos de seis décadas. Rio de Janeiro: Forense
Universitária.

Imagens:

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Onde encontrar a Logoterapia em São Luís/ Maranhão?

Atualmente (ainda bem) a Logoterapia e Análise Existencial tem ganhado visibilidade em São Luís.
Para os psicólogos recém-formados e em formação, tem o meu grupo de estudos, o Diá-Logos.


Tem também os Grupos de Estudos em Logoterapia (na faculdade UniNassau) e de Fenomenologia (na faculdade Estácio) do professor Alexsandro Cruz. 

(Grupo de Estudos em Logoterapia - Uninassau)

(Grupo de Estudos em Fenomenologia - Estácio)

Além disso, tem o Curso de Formação em Logoterapia e Análise Existencial promovido pelo Instituto Geist. Nele, há a possibilidade de aprofundamento na teoria e aplicação da Logoterapia. Eu fiz (e hoje tenho a honra de fazer parte do corpo docente) e posso dizer com certeza: vale a pena se você quer aprofundar os seus conhecimentos nessa área. Inclusive, tem turma aberta!!

 


Espero ter ajudado ;)

domingo, 23 de junho de 2019

#LogoterapiaeFilmes 1: Batman e a Atitude Fatalista

Eu não poderia começar por outro filme que não o Batman. Sou fã desde criança, já sei as falas dos filmes decoradas (tá bom, quase; mas já assisti várias vezes) - e foi um dos primeiros filmes nos quais eu vi a Logoterapia e Análise Existencial. Mas como Bruna? 


Bom, primeiro é importante relembrar um pouco da história da personagem. Bruce Wayne era filho  único do casal Wayne, e presenciou a morte de ambos durante um assalto, quando ainda era criança. Ele, então, jura vingança - mas por diversas razões acaba se tornando um justiceiro na cidade de Gothan City. Ele assume uma dupla personalidade: de dia, é Bruce Wayne: bilionário, playboy, magnata de negócios, filantropo e dono da corporação Wayne Enterprises. Pela noite, ele se torna o Batman


É importante ressaltar que Bruce não tem poderes mágicos, nem é filho de deuses, nem é um extra terrestre. Ele é humano, demasiado humano (como já diria Nietzsche) - e, apesar da sua humanidade, conseguiu se tornar o justiceiro de Gothan, auxiliando na luta contra o crime, através de treinamento, estudos e busca por aprimoramento constante. 
Poderíamos supor que um jovem, rico, porém sem seus pais (e que os viu morrer de forma brutal), teria necessariamente que se tornar um jovem "problemático". Contudo, vemos que Bruce Wayne escolheu um caminho diferente. Ele realizou um valor atitudinal e, além disso, foi contra aquilo que Frankl (2018) chama de atitude fatalista.


"Um herói pode ser qualquer um, até mesmo um homem fazendo algo tão simples e reconfortante como colocar um casaco em torno dos ombros de um menino, para deixá-lo saber que o mundo não tinha terminado"
(Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge, 2012)


Segundo Frankl (2018), a atitude fatalista, ou simplesmente fatalismo, diz respeito a uma crença supersticiosa no poder do destino - no que diz respeito às situações interiores e exteriores. A pessoa, então, se percebe enquanto um ser que é e que não pode ser de outra forma; não percebe possibilidade de mudança devido à assim considerada "força superior das circunstâncias".
Bruce poderia ter caído no fatalismo, assim como muitos sujeitos em nosso cotidiano. Quantos não se rendem ao discurso de "é assim mesmo", "foi o destino", "é meu fardo"? Aliás, a pergunta central seria por que estas pessoas se rendem a esse discurso (e culpabilizam outrem pelo que lhes acontece)? A resposta pode estar justamente na esquiva da responsabilidade -  pois esta ainda está associada à julgamento e culpa, não à possibilidade de desconstrução e mudança. Assim, culpabilizando outrem, nesse caso o destino e as circunstâncias, eu me esquivo da minha responsabilidade perante as situações. 
Bruna, então estás dizendo que somos cem por cento responsáveis por tudo o que nos acontece?  Não. Tenho certeza que Bruce Wayne teria escolhido não ter perdido os pais. No entanto, isto lhe ocorreu e ele não teve oportunidade de escolher sobre isso - mas teve a oportunidade de escolher o que fazer, a partir e apesar disso.  Ele escolheu uma postura, livre e responsável, e encontrou o sentido de sua vida: ser um justiceiro e ajudar outras pessoas. 


"Não é quem eu sou por dentro e sim, o que eu faço é que me define."
(Batman Begins, 2005)

Referências:
- FRANKL, V. Psicoterapia para Todos: uma psicoterapia coletiva para contrapôr-se à neurose coletiva. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2018.

Imagens:


#LogoterapiaeFilmes

Como eu já relatei aqui, na minha graduação a Logoterapia ainda era bem pouco conhecida. Quando eu comentava com alguém, as pessoas invariavelmente lembravam de algum filme bastante dramático, no qual alguém passava o filme todo sofrendo (e o telespectador, o filme todo chorando)... 
... Contudo, ouso dizer que não é só isso. A Logoterapia e Análise Existencial é muito mais rica: tem diversos conceitos que podem ser vislumbrados em diversos âmbitos e em diversos filmes - afinal, como o nome do próprio blog já diz, a Logoterapia é Óbvia :)
Separei essa hastag, a #LogoterapiaeFilmes, para que possamos discutir alguns conceitos da Logoterapia e Análise Existencial presentes no universo cinematográfico. Sintam-se a vontade para responder (de forma respeitosa, obviamente) e compartilhar. 

Vamos desmistificar a Logoterapia - e torná-la conhecida, da forma como ela realmente é ;)

Classes de Valores

Continuando a conversar sobre o sentido (que iniciamos aqui  http://alogoterapiaeobvia.blogspot.com/2019/06/o-que-e-sentido-para-logoterapia.html), hoje nós iremos conversar sobre os valores. 
O que são valores? São sentidos universais - isto é, enquanto os sentidos tem um caráter mais pessoal e individualizado, os valores tem características que os tornam universais; assim, mais pessoas podem realizar os mesmos valores, mas os sentidos continuam sendo específicos (da pessoa e da situação).
Existem três classes de valores:

1. Valores criativos


Os valores criativos podem ser descobertos quando criamos um trabalho ou quando praticamos um ato. Seria, assim, a possibilidade de dar algo ao mundo através da ação concreta, da realização de algo.

2. Valores vivenciais/experienciais



Os valores vivenciais (também conhecidos como experienciais) podem ser encontrados na vivência de uma situação ou nos encontros humanos (é importante ressaltar que aqui estamos falando dos encontros em sua forma genuína, quando há prazer e intencionalidade nas duas partes - excluindo, então, os relacionamentos abusivos, nos quais há "prazer" em uma parte e sofrimento e angústia na outra). É quando recebemos algo do mundo. 
Algumas pessoas associam os valores vivenciais apenas ao amor encontrado nos relacionamentos afetivos - o que é, de fato, uma forma reducionista de conceber os valores vivenciais. Eles podem estar presentes em outras situações, tais como a experiência de um momento único, a apreciação de uma paisagem, obra de arte, de uma imagem. Ao dar uma pausa e apreciar o céu você está vivenciando valores vivenciais ;)

3. Valores Atitudinais


O valor atitudinal diz respeito à atitude tomada por nós quando estamos diante do sofrimento inevitável - diante do qual não vemos possibilidade de criar algo para o mundo ou de receber algo dele. 
Viktor Frankl, em seu livro Em busca de Sentido, relata que mesmo em situações de sofrimento extremo, em situações em que não parece haver esperança, diante de uma fatalidade que não pode ser mudada - ainda assim podemos encontrar sentido. Nesse caso, quando não podemos criar ou receber algo do mundo, somos então desafiados a mudar a nós mesmos: mudando a nossa postura diante da situação em questão. 

Contudo, cabe uma ressalva: não é só através do sofrimento que encontramos sentidos; antes, e apesar do sofrimento, ainda assim eles podem ser encontrados/realizados :)

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Amor e Logoterapia


Aproveitando a semana do dia dos namorados (12 de junho aqui no Brasil), vamos conversar um pouco sobre o amor na Logoterapia e Análise Existencial?
Segundo Frankl (2018), o amor tem relação estrita não com o que a pessoa possua (em termos de qualidades ou característica), mas com aquilo que a pessoa é. Não se desconsidera, deste modo, as características e qualidades que a pessoa venha a possuir - longe disso! Mas considera-se, ainda, o próprio portador da qualidade/característica: aquela pessoa em sua singularidade e unicidade, que se encontra por trás daquelas características. Desvelá-la e encontrá-la, segundo Frankl (2018), é amar. 

Assim, alguns questionamentos podem surgir:
- O fascínio que eu sinto por aquele cantor/ator pode ser considerado amor? Segundo Frankl (2018), trata-se muito mais de um fascínio por uma peculiaridade que a pessoa tenha, seja pela sua voz, seja pelo seu sorriso, entre outros.  
- Eu gosto de todas as pessoas que tenham uma determinada característica (cabelos cacheados/ lábios grossos/olhos azuis). Isso pode ser considerado amor? O amor é, em última instância, instransmissível. Nesse sentido, amo o que a pessoa é, não uma característica que ela possua e que outras pessoas, porventura, possam possuir também. 
- O amor é cego? Muito pelo contrário! O amor enxerga o outro, nitidamente, em sua profundidade. Seria, de fato, contemplar um tu em sua inteireza e completude - pois abarca não apenas aquilo que o sujeito é, mas também as suas potencialidades, o seu vir-a-ser. 

É importante ressaltar que o amor não exclui a dimensão da sexualidade - mas também não se limita só a ela, uma vez que esta, em uma relação afetiva, é meio de expressão do amor (afastando, deste modo, as concepções de que a sexualidade só serviria para a procriação ou propagação da espécie). 

Ainda segundo Frankl (2018), o processo de amadurecimento do indivíduo (do puramente "instintual" ao amor, em sua plenitude) pode ser posto em risco por dois fatores: 1. o desânimo; 2. a desilusão. O desânimo pode ser observado quando a pessoa não consegue aceitar a viabilidade de um relacionamento amoroso feliz. A desilusão, por sua vez, pode ocorrer através de duas vias: 1. quando a pessoa, apesar de possuir as melhores condições para desenvolver um relacionamento feliz e amoroso,é rejeitada pelo parceiro; 2. quando a pessoa se desilude não com um parceiro/parceira, mas com a busca pelo sentido de sua existência. Nesses casos, usualmente, as pessoas investem em uma busca pelos instintos e em um afugentamento do amor: a quantidade ocupa o lugar da qualidade; a pessoa começa então a buscar a satisfação dos instintos, e quanto menos ela acreditar que na possibilidade de realizar os seus anseios de amor, mais ela irá em busca da satisfação dos instintos. A vontade de sentido, então esvaziada, dá lugar à vontade de prazer. 

Em tempos como os atuais (conforme o próprio Frankl já citava em suas obras), assistimos cada vez mais pessoas em uma busca desenfreada pelo prazer. A unicidade tem cedido lugar à quantidade: em tempos de "ninguém é insubstituível", olhar o outro em sua inteireza e completude tem sido cada vez mais difícil. Assim, lhes faço um convite: vamos começar a observar e apreender o outro naquilo que ele é? Na singularidade de um tu? ;) 



Referência:
- FRANKL, V. Psicoterapia para Todos: uma psicoterapia coletiva para contrapôr-se à neurose coletiva. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2018.

domingo, 2 de junho de 2019

O que é "sentido" para a Logoterapia?



Antes de tudo, imaginemos que estamos em um barco, a noite. Estamos tentando chegar ao outro lado, mas não há estrelas no céu, nem lua... tudo escuro. Como fazer para chegar ao nosso destino? Vocês hão de convir que ficaria  mais fácil se houvesse um farol nos guiando, dando o direcionamento, certo?
Essa analogia representa bem a ideia de sentido. Assim como o farol "guia" o barco, o sentido guia  o ser humano - que dirige a sua vida a partir do mesmo. A partir do sentido, o ser humano compreende a sua vida enquanto justificada.
É importante ressaltar que o sentido é único e exclusivo: não apenas da pessoa, mas da situação, do momento. Por isso usualmente não falamos em um único sentido, mas em sentidos.
O sentido é a pedra angular da Logoterapia e Análise Existencial - é tão importante que há a possibilidade de adoecimento quando a vontade de sentido é frustrada!
É possível que mais de uma pessoa tenha um mesmo sentido? Sim! Por exemplo: eu trabalho com psicologia, assim como várias outras pessoas (mas as motivações que me mantém são diferentes em uma medida ou outra). A esse fenômeno, chamamos de "valores" - que serão melhor discutidos em postagens posteriores ;)